quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Retirei os poemas abaixo do livro Líricas portuguesas I, com seleção, prefácios e apresentação do incansável, magistral e notável poeta, crítico de história, literatura e cultura geral, tradutor, romancista, contista, dramaturgo Jorge de Sena. Sim, ele era tudo isso e um pouco mais. Por que Sophia? Pela serenidade limpa da grande maioria dos seus poemas, pelo tônus ético, pela firmeza vocabular e pela exatidão simples de utilizá-lo como um encaixe perfeito na frase. Segundo Jorge de Sena, "[...] segurança fluente e escultural, os seus poemas transfiguram uma realidade muito concreta, em que o amor da vida e da exigência moral encontra símbolos marinhos e aéreos, usados com uma força inspirada excepcional [...]". 

[OUVE]

Ouve:
Como tudo é tranquilo e dorme liso.
Claras as paredes, o chão brilha,
E pintado no vidro da janela, 
O céu, um campo verde, duas árvores.
Fecha os olhos e dorme no mais fundo
De tudo quanto nunca floresceu.
Não toques nada, não olhes, não te lembres.
Qualquer passo
Faz estalar as mobílias aquecidas
Por tantos dias de sol inúteis e compridos.

Não se lembres, nem esperes,
Não estás no interior dum fruto:
Aqui o tempo e o sol nada amadurecem.

(Coral, in Antologia)

LIBERDADE
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade. 

(Mar Novo)

EXÍLIO

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades

(Livro Sexto)

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

2 comentários:

  1. Os poemas de Sophia seguem, do exterior para o interior, do motivo poético para o mundo próprio. Isso é algo que poucos dominam, poucos possuem essa percepção da realidade-transcendência poética.

    (Mundo captado do real)

    "Como tudo é tranqüilo e dorme liso.
    Claras as paredes, o chão brilha,
    E pintado no vidro da janela,
    O céu, um campo verde, duas árvores."

    (Aqui já adentra ao mundo próprio):

    "Fecha os olhos e dorme no mais fundo
    De tudo quanto nunca floresceu.
    Não toques nada, não olhes, não te lembres.
    Qualquer passo
    Faz estalar as mobílias aquecidas
    Por tantos dias de sol inúteis e compridos".

    A natureza e o mar eram seus temas prediletos, com reminiscência nas imagens joviais de infância. E era uma clássica de natureza, no dizer poético, mesmo sendo às vezes livresca em alguns pequenos pontos, mas sem comprometer em nada a sua representativa obra.

    Saudações de Paulo.

    (Parênteses): Jorge de Sena: Um grande!

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  2. Sophia é verdadeiramente grande.
    Abraço,
    Sandro

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