sábado, 13 de março de 2010


POR LINHAS TORTAS


Nunca conheci quem tivesse escrito uma merda.
Todos os meus conhecidos têm sido brilhantes em tudo o que escrevem.
E eu, tantas vezes cego, tantas vezes burro, tantas vezes tímido,
eu tantas vezes irrespondivelmente plagiário,
indesculpavelmente preguiçoso,
eu que tantas vezes não tenho tido paciência pra consultar o dicionário,
eu que tantas vezes tenho sido ridículo, vaidoso,
que tenho cortejado os elogios fúteis e desprezado as críticas honestas,
que tenho escrito poemas grotescos, tacanhos, redundantes e pretensiosos,
que tenho deletado mais da metade do que escrevo,
que, quando não deleto, tenho me arrependido de cada poema publicado;
eu, que tenho submetido meus poemas ao julgamento de gente que eu desprezo
e tenho me sentido humilhado pelo desprezo dessa mesma gente;
eu, que não como ninguém com meus versos românticos,
eu, que não choco ninguém com meus versos satânicos,
eu, que tenho passado noites em claro pensando num advérbio ou num adjetivo,
eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que troca e-mails comigo
nunca errou uma concordância, nunca se enredou numa falácia,
nunca foi senão genial – todos eles gênios – na vida e na literatura…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
que confessasse, não um bloqueio criativo, mas uma ingenuidade;
que contasse, não que seu livro não vendeu, mas que não valia o preço de capa!
Não, são todos mestres de Homero e instrutores de Shakespeare,
se os ouço e se falam comigo.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez escreveu uma frase feita?
Ó gênios, meus irmãos,
caralho, estou de saco cheio de Rimbauds e Mallarmés!
Onde é que há gente no mundo?

Então só eu que sou burro e pouco original nesta terra?

Poderão ter sido achincalhados pela crítica,
podem ter sido ignorados por Deus e o mundo,
mas terem escrito uma frase ridícula, nunca!
E eu, que tenho escrito frases ridículas cotidianamente,
cercado por tantos gênios, como posso querer ser lido com atenção?
Eu, que tenho sido estúpido, literária e literalmente estúpido,
estúpido no sentido simplório e bruto da estupidez.

Marco Catalão
é poeta, ficcionista e tradutor. Publicou seu primeiro livro, Antes de amanhã, em 2008. Desde então, recebeu diversos prêmios, dentre os quais se destaca o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos Luiz Vilela. "Por linhas tortas" pertence ao livro inédito O Cânone Acidental.

As informações sobre o poeta e o poema acima foram retiradas do Suplemento Literário de Minas Gerais.

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